Pressão?? Imagina!!

Venho de uma família extremamente exigente. Meus pais são cientistas de universidades federais, vários tios meus também são pesquisadores ou de universidades ou de institutos, a maioria dos primos segue carreira parecida, ou faz cursos altamente especializados como neurocirurgia ou construção de pontes suspensas. Eu sou filho único, imagine só. A única chance dos meus pais “darem certo” em seu projeto de deixar descendência neste mundo. Sempre fui encarado dessa forma: um projeto de vida. E vou te contar: gostaria de ser considerado só “meu filho amado”. Mais nada. Mas era querer demais.

Como filho único, fui sobrecarregado desde os primeiros anos de vida. Aos sete, já tinha nível de inglês médio, aos nove me matricularam num curso de italiano e, três anos depois, alemão E francês. Eu jamais teria feito um único cursinho rápido de música, se não fosse um tio dizer que a música aperfeiçoa o pensamento matemático – e lá fui eu pra aulas de piano e violão. Minhas notas na escola deveriam ser sempre exemplares – e de fato eram. Mas eu não era feliz. E minha vida seguiu assim até o dia em que, ao 16 anos, acordei num hospital, com a cabeça virada pra uma mesinha onde tinha uma caixa de remédio: neozine.

Sob uma pilha de pedras

inteligente-e-aplicadaMinha infância não foi nada do que eu queria. Que criança, aos 12 anos, já fala inglês e italiano fluentemente (inclusive com exames de proficiência)?? A maioria dos meus amigos só falava português sofrível e a única palavra em inglês que sabiam era ‘apple’ por causa da marca de computadores! Mas eu não. Eu não podia ser como as outras. Eu tinha que saber idiomas.

Cresci praticamente trancado numa sala. Via meus amigos brincando de subir em árvores pra brincar de pique-esconde lá de dentro do escritório do meu pai. A janela era do tamanho de toda uma parede – as demais eram completamente cobertas por livros. A luminária era verde, pra “ajudar a se concentrar”. Deviam ter instalado vidros antirruído, também… Dava pra ouvir as risadas dos meus amigos brincando lá fora. Só saía quando tinha aula de algum idioma, ou de música. Eu gostava das aulas de música. Podia colocar meus sentimentos pra fora de vez em quando – até o professor pedir pra eu parar de socar as teclas e cordas com tanta intensidade.

Aos 15, me matricularam num cursinho pré-vestibular. Aos 15. Eu ainda estava no primeiro ano do falecido “segundo grau”, mas meus pais achavam que seria benéfico já ter contato com as matérias dos anos futuros pra aprendê-las mais rápido. Minha infância já estava perdida, e pelo visto também perderia a adolescência. Enquanto ia pras aulas do cursinho, via meus amigos saindo sozinhos pela primeira vez, em grupo, pra pizzarias. Até que me chamavam, mas acho que era por educação, pois pela mochila nas minhas costas era óbvio que eu não poderia acompanhá-los. Passei o ano inteiro estudando na escola, estudando em casa e estudando no cursinho. Já falava português, inglês, italiano, alemão e francês, todos à perfeição, então “não precisava mais, por enquanto”, segundo meus pais. “Melhor deixar o japonês pro ano que vem”. Já não fazia mais aulas de música, pra não atrapalhar meus estudos.

Até que um dia eu surtei.

Pânico na casa

Não me lembro se era uma terça ou uma quarta. Só sei que, depois do almoço, fui pro meu quarto descansar meus 5 minutos permitidos antes dos estudos da tarde – mas não saí mais do quarto. Nossa secretária me encontrou caído no meio do quarto, convulsionando e botando todo o almoço pra fora. Eu, que nunca tinha contraído uma única gripe (também… de quem pegaria, se não tinha tempo nem pra cumprimentar alguém??), agora estava convulsionando no chão do meu quarto. Meus pais nem sabiam o que fazer e entraram em pânico. A secretária, que tinha um filho epilético, foi quem me ajudou e os instruiu: chamou meu pai pra que ele a ajudasse a me segurar e mandou minha mão ligar pra um médico X. E ainda deu o telefone de cabeça. Pelo visto ela já tinha feito muitas ligações por esse motivo… Mas isso quem me contou foi meu pai. Eu, mesmo, não me lembro de nada.

hospital-caixa-de-neozineO médico foi até nossa casa e ajudou a me estabilizar; depois me colocaram no carro e me levaram para o hospital, onde acordei ao lado da caixa de neozine. Eu ainda estava meio grogue, mas escutei o médico dando o maior esculacho que já tinha ouvido em toda a minha vida. E nos meus pais! Aquilo até me ajudou a acordar. Ele falou tanto que precisava parar de vez em quando pra tomar água porque a boca secava. Por fim, ele chamou a psicóloga do hospital, explicou a minha situação, a criação que eu havia recebido… e a última coisa que ouvi naquela tarde foi ela dizendo aos meus pais: “venham comigo, vamos conversar na minha sala”. A voz era muito doce, mas de uma assertividade que fazia medo. Meus pais nunca me contaram o teor dessa conversa, mas meu médico disse que pela cara da psicóloga, ia ser a bronca do século – e que eles iam preferir “apanhar de correia” a ouvir aquilo tudo.

Ouviram tudo o que eu nunca tive coragem de dizer. Perceberam todos os direitos que eles tomaram de mim e que não teriam mais como devolver, ainda que a intenção não fosse a de me prejudicar. Minha infância estava perdida, minha adolescência também, e a solução?

“Os três, já pra sala do psiquiatra”.

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