Algarve: História e Cultura

Várias foram sempre as raízes e realidades do Algarve. Atravessadas as Colunas de Hércules, portagem do Mediterrâneo, quem arribava a estas costas, gregos, fenícios e cartagineses, romanos e árabes, alargava o seu «grande mar interior» para, ora em comércio, ora por exílio, trabalhar os inevitáveis choques culturais entre visitantes e visitados, invasores e invadidos, choques que em breve se convertiam em diálogo e concerto.

Algarve: seascape

O meu pai, que se exprimia por aforismos, dizia que «quem vai vai, quem está está», explicando que só assim se obtinha o respeito pela diferença. Os povos que por cá deambularam, sobretudo os árabes, foram mestres na arte da mestiçagem, intensamente ensaiada nesta terra.

Antes da Nacionalidade o sul português era já um invejável centro cultural. Quando ao norte ainda se labutava pelas necessidades primeiras, aperfeiçoava-se, na província de Alfaghar ou Chenchir, uma sociedade cujas estruturas se desenvolviam entre o arroteio dos campos do interior, ao que parece bastante abandonados, e a defesa das praças-fortes, Chelb (Silves), Pharum (Faro), Zawaia (Lagos), Chakrach (Sagres), Albur (Alvor), Hisn Kastala (Cacela).

Se Afonso III, por ter conquistado a província, foi Rei de Portugal e do Algarve, Afonso V, conquistador do norte de África, chamou a si o título de Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África, assim se marcando outra vez a diferença da região.

O Algarve «daquém mar» viveu então uma experiência singular: expulsou os senhores do Poder mas os camponeses, os «fellahs» que labutavam a terra nas estruturas de regadio muçulmanas, ficaram. Em «comunas de mouros forros». E foram acarinhados.

Tal como os judeus, mais ocupados com tarefas urbanas, o foram. E o Algarve, à beira de águas férteis, foi, mais uma vez, um laboratório natural de mestiçagem que muito viria a contribuir, genética e culturalmente, para a abertura do nosso ouvido e do nosso coração à voz do outro – aquém e além mar.

O mesmo se passou com a poesia, essa coisa nómada que entrou na minha infância pela porta dos mitos e que parece desenhar os começos desta terra – a atracção do mar e os seus medos, a visitação das sereias, as lendas das mouras encantadas, fundação e cristalização de lugares edénicos, como resulta da exclamação do poeta Ibn-Ammar, que aqui nasceu em 1031: «Que paraíso de beleza infinda pôs Deus aqui!»

Um poeta, entre muitos outros (Al-Mu’tamid, Shilbiyya, Ibn Alame Assantamari), que louvou a luz e o mar, as hortas, pomares e jardins do seu reino de trocas tão harmoniosas entre a Natureza e a cultura. Um encantamento tão primordial que foi mantido pelos cristãos e outros vindouros.

Torga escreveu, em Portugal: «Passado o Caldeirão é como se me tirassem uma carga dos ombros! Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa! No fundo, e à semelhança dos nossos reis, (…) separando prudentemente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria. Também não me vejo fora dela.»

Não é de «paraíso» que falo mas de um lugar ameno onde houve lutas e perdas, desencanto e excesso de sonolência; mas onde houve sempre, à altura da boca, um figo, uma alfarroba, uma sardinha, um caranguejo distraído, uma mão-cheia de berbigões, pequenas facilidades que foram produzindo uma certa complacência, um «amanhã-logo-se-vê». Compensadas pela música e pela palavra, pelo algaraviar falado e cantado em séculos de língua franca no convívio com outras gentes, uma busca popular da palavra justa.

Não tenho dúvidas que os poemas de amor dos poetas de Chenchir, juntamente com as «kharjas», cantadas por árabes e judeus, terão influenciado as belas cantigas-de-amigo num movimento cultural que, supõe-se, corria, em toda a Península, de sul para norte. E talvez ainda hoje, quando se trata de cantar: Ramos Rosa, Gastão Cruz, Nuno Júdice são naturais do Algarve.

Outras coisas correram de norte para sul, sobretudo a regra, a ambição, a sede de poder e de conquista (ou de descoberta), e por isso o Algarve participou na expansão portuguesa. E, com a sua vocação para o diálogo e para a mestiçagem, colonizou, e povoou. E foi, por igual razão, repovoado e «colonizado», com muito pouco proveito e glória nenhuma. Não é grave. O tempo dispõe de uma infinita paciência – e também há coisas positivas, há-as sempre, nesta troca cultural quase histérica que o turismo promove.

Trocas, disse, pois que muito há no Algarve, para além do sol e das águas preguiçosas, para entregar: lugares edénicos a quem se dá ao trabalho de explorar a terra – as grutas do mar, os preguiçosos areais do Sotavento, as ilhas onde são mais desertas, as ondulações da Fóia, a serra severa «ma non troppo», o doce caos da ria Formosa, os estuários do Arade, o céu azul de mais e os seus poentes vinhosos, a inesperada levitação de Cacela que, no dizer de Sophia, «foi desejada só pela beleza».

E há a disponibilidade quase berbere dos naturais para se abrirem às diferenças que os outros trazem. E a cozinha da região: o arroz de lingueirão, os carapaus alimados, as amêijoas ao natural, o xarém de conquilhas, o atum de cebolada, o bacalhau à moda da Fuzeta, a fabulosa caldeirada («com menos de dez peixes não é caldeirada, não é nada»), mil cataplanas, os alcabrozes fritos, o polvo na chapa, a caça para quem sobe à serra, os figos cheios, os morgados de amêndoa, o toucinho-do-céu.

Dói-me não haver por cá vinho que preste, para brindar com quem me lê, mas compreende-se: a cultura do vinho acompanhou a implantação da religião católica, apurou-se à volta dos mosteiros, e nós por cá, que nem somos muito praticantes, já tínhamos optado por outra vias agrícolas, a do regadio, a dos primorosos frutos secos.

Embebedemo-nos com o que resta da paisagem pois que «não há perspectiva nem paisagem marítima, – escreve Teixeira-Gomes – que me não empalideça na imaginação, à lembrança e ao confronto dos trechos da costa algarvia que conheço. E quanto mais acentuadamente clássico e mediterrâneo é o quadro, melhor me ressalta a graça, a harmonia, o acabado das composições que enriquecem as praias da minha província.»

Que escultor ou pintor, à excepção do Manuel Baptista, pode competir com as belíssimas telas do céu, com o rendilhado da costa, com os montes azuis? Com o artista tempo que, melhor do que ninguém, sabe o essencial da arte poética: que só se chega lá com uma longa paciência e alguns pequenos acidentes de impaciência.

Turismo de Habitação no Algarve

De todas as regiões consideradas neste guia, a única que não levanta problemas de definição é o Algarve: as suas fronteiras são consensuais. Por alguma razão os monarcas portugueses usaram durante séculos o título de «rei de Portugal e dos Algarves…»

Não quer isto dizer que a região seja uniforme. Pelo contrário, é quase intuitivo definir três zonas: o litoral que é a zona mais explorada do ponto de vista turístico, o barrocal, estreita faixa de transição para a montanha, com os seus solos barrentos e pedregosos e o seu coberto de figueiras, amendoeiras e alfarrobeiras e, finalmente, a serra, com o seu mar de cabeços arborizados estendendo-se para norte durante quilómetros.

Na região algarvia, o levantamento efectuado pelo Expresso detectou 17 casas em pleno funcionamento. Curiosamente, destas apenas duas se situam junto ao mar (concretamente nas zonas de Armação de Pêra e Praia do Vau). Todas as restantes se situam, quer em áreas urbanas (com particular incidência em Tavira), quer em pequenas aldeias do interior.

Quem procure o sossego absoluto e as paisagens serranas tem algumas propostas interessantes, nomeadamente na zona interior do concelho de Aljezur.

Com duas excepções importantes, feitas recentemente e de raiz, a quase totalidade das casas resultou da reconversão de edifícios anteriores

Uma parte importante das casas referidas neste volume situa-se na zona do barrocal, correspondendo a antigas quintas (quase sempre ligadas às exploração da alfarrobeirra, da amendoeira ou doutras árvores) de maior ou menor dimensão.

Quem goste de se alojar em aldeias típicas tem duas opções interessantes: a Mexilhoeira Grande, perto de Portimão (onde também se localiza um restaurante afamado, o Vila Lisa) e Querença, no extremo norte do concelho de Loulé e a dois passos de duas importante áreas protegidas: a Fonte da Benémola e a Rocha da Pena.

Finalmente, uma palavra para essa singularidade que é a reconversão do convento seiscentista de Santo António em pleno centro de Tavira.

Paisagens e Património

Aljezur
Faro
Lagos
Portimão
Silves
Tavira
Vila do Bispo

Algarve não se resume às praias e ao litoral sujeito a grande pressão urbanística, sobretudo entre Portimão e o Ancão. Se quiser fugir aos lugares-comuns e aos pontos mais batidos, parta à descoberta da costa vicentina, com cheiro atlântico, entre Sagres e Odeceixe.

Explore, também, a zona intermédia do barrocal, onde a agricultura prossegue, menos pressionada pelos interesses especulativos, como é o caso de São Brás de Alportel, São Bartolomeu de Messines e vizinhas Alte e Salir.

Na transição para a zona serrana, visite as Caldas de Monchique. Suba à serra de Monchique, com troços verdejantes onde se descansa o olhar. E descubra o mar de colinas da serra do Caldeirão, desde Cachopo, Martim Longo e Alcoutim, e daqui toda a zona marginal do Guadiana até Castro Marim e Vila Real de Santo António.

Aljezur

Praia da Arrifana, Aljezur / Portugal

Da sua antiguidade já quase nada fala, após as destruições causadas pelo terramoto de 1755. A subida às ruínas do castelo vale bem a pena pela vista sobre a povoação e o vale da ribeira homónima, que desagua no mar na praia da Amoreira. Rumo a sul, por uma estrada secundária, veja as praias da Carriagem e de Monte Clérigo. Ainda mais meridionais, uma das mais belas enseadas da costa portuguesa: a Arrifana. E as areias douradas da Bordeira e da praia do Amado.

Na direcção oposta -ou seja, para norte – , tem Odeceixe, cuja ribeira faz fronteira com o Alentejo. De Aljezur pode fazer um percurso panorâmico: atravessar para leste a serra do Espinhaço do Cão – utilizando a EN267, agora remodelada – passando em Marmelete, Monchique, Caldas de Monchique e Silves.

Faro

Faro - Portugal

Visite a pé o centro histórico de Faro, nomeadamente a cidade intramuros, que se estende para nascente do Arco da Vila. Aí encontra restos da antiga muralha, a Sé e o seu largo e o Convento de Nossa Senhora da Conceição, que alberga o Museu Arqueológico. Para poente estendem-se as praias mais badaladas ou mais povoadas do Algarve: Ancão, Quinta do Lago, Quarteira e Albufeira.

Estando em Faro, pode excursionar até às vizinhas localidades piscatórias de Olhão e da Fuzeta, passear de barco até às ilhas da Culatra ou Armona, no Parque da Ria Formosa (a sede do parque situa-se na Quinta do Marim, a nascente de Olhão).

Para o interior, e para conhecer o Algarve menos turístico, parta para os vizinhos concelhos de Loulé, Olhão ou São Brás. Viaje na direcção de Moncarapacho (Igreja de Santo Cristo e olaria tradicional), Cerro de São Miguel (miradouro sobre a costa do Barlavento), Estói (ruínas romanas de Milreu e o Palácio do Conde Carvalhal), São Brás de Alportel (artesanato e curioso Museu Etnográfico do Traje Algarvio).

Pode, de São Brás, seguir para norte e desviar para Almargem, para conhecer um conjunto de aldeias serranas (Javali, Cova da Muda, Lajes, etc.). De Loulé, tome a EN396 para Querença (além da pitoresca aldeia, veja o vizinho sítio classificado da Fonte de Benémola, com percurso pedonal e moinhos de água).

Não perca o casario e o castelo de Salir (e uma boa casa de artesanato da serra).Bem perto, outro sítio classificado, a altaneira Rocha da Pena.

Lagos

Ria de Alvor

Junto com Tavira, é a cidade algarvia que menos se descaracterizou, pelo menos no centro histórico. Veja os restos da muralha e a Igreja de Santo António, com os seus fabulosos interiores de talha e azulejo. Para nascente, a Meia-Praia e a ria de Alvor; para poente, praias cada vez menos povoadas (e ventosas), à medida que se caminha para Sagres.

Portimão

Portimao

O crescimento, desregrado, das últimas décadas tirou-lhe personalidade, mesmo na vizinha Praia da Rocha. O mais interessante é observar o movimento do porto de pesca e abancar nas esplanadas junto ao rio.

Pela costa, pode ir até ao Alvor e visitar a zona da ria homónima. Veja a aldeia de Ferragudo e o farol da Ponta do Altar. Para o interior pode deslocar-se até Lagoa, produtora de vinho e de olaria e a Estombar com artesanato de cestaria, ou apreciar a serra de Monchique.

Pode, ainda, visitando o ambiente sereno das Caldas de Monchique, subir às alturas da Fóia (902 metros) ou ao Picote, para alcançar grandes panorâmicas sobre a costa. Se quiser alongar o passeio a partir de Monchique, pode continuar, mais para norte, até Sabóia, bela caminhada por uma das mais desérticas zonas de Portugal.

Silves

Silves (2)

Em tempos áureos, foi a capital muçulmana do Al Garb. A fertilidade das suas várzeas já teria, antes, atraído fenícios e romanos. Campo de muitas batalhas e vítima do terramoto de 1755, muito do seu património perdeu-se. Contudo, um aroma desses tempos pode o visitante aspirá-lo no bem instalado museu arqueológico.

O castelo, a Sé, a ponte medieval, a Igreja da Misericórdia e a Ermida de Nossa Senhora dos Mártires são outros pontos a observar. Perto, Porches com a sua afamada Olaria.

Tavira

Tavira 10 Junho 2016

Chegou a ser, tanto durante a ocupação muçulmana como logo depois, a principal cidade do Algarve. Hoje é a cidade mais bem preservada do ponto de vista urbanístico.

Passeie pela cidade velha a partir da ponte medieval sobre o rio Gilão, suba pela Rua da Liberdade e circunde a área à volta do castelo, rica em património. Do lado contrário, admire a Igreja de São Tomé.

De Tavira pode deslocar-se a Vila Real de Santo António, cidade mais recente, projecto estratégico de implantação da indústria, conforme desejo do marquês de Pombal. A partir da magnífica praça, que tem o nome do fundador, descubra o quadrilátero de ruas que dela partem, não deixando de dar um passeio pela marginal ao Guadiana.

Parta depois para Castro Marim, zona bem preservada, com o seu castelo e fortaleza altaneiros, onde funciona a sede do Reserva Natural do Sapal, de grande beleza, e dos mais vastos «aeroportos» de aves de migração.

Para norte, recomenda-se um passeio ao longo das margens do Guadiana. Passe Foz de Odeleite, faça um pequeno desvio para ir a Ribeira de Odeleite, e prossiga por Álamo, com os restos de uma barragem romana. Encontra, adiante, Guerreiros do Rio, onde ainda se mantêm em actividade alguns pescadores que lhe podem proporcionar um passeio pelo Guadiana. Existe ainda um pequeno museu, que evoca as actividades ribeirinhas.

Em Alcoutim, passei pelo centro da vila e junto ao cais, de onde avista o rio e a aldeia espanhola de Sanlucar. No posto de turismo informamno das possibilidades de passeios pelas aldeias do interior e pelo rio.

fisherman's trail between vila do bispo and cabo sao vicente

Desta simpática sede de concelho parta à descoberta das praias vicentinas, como Cordoama ou Barriga, para além do óbvio passeio ao cabo de São Vicente e à Ponta de Sagres.

No comments yet.

Deixe um comentário

*